Justiça das Redes Sociais
Depois de uma publicação mais humorística sobre o multibanco ter ficado inoperacional, hoje vou arriscar-me num assunto mais sensível relacionado com esta notícia que saiu no Público.
Esta é uma notícia que representa bem a capacidade da nossa comunicação social em querer inclinar logo o pensamento das pessoas a partir de títulos e pequenas descrições, bem como das pessoas no geral levarem-se por isso mesmo e tomarem juízos sobre o que se passou com base em menos caracteres do que os de um tweet.
Começa logo bem a misturar duas notícias numa só. A expulsão de um guarda pelo IMAI e a absolvição do mesmo num caso de violação de uma detida. Vamos então esquecer a primeira parte e focar apenas na segunda que é a que levanta indignação.
Lendo o que vem na descrição do artigo, é óbvio que uma pessoa ficaria completamente indignada. Um guarda viola uma detida nas instalações da GNR e um tribunal decide absolvê-lo assim do nada, porque se "trata da fraqueza humana"? Isto é uma vergonha.
No entanto, continuando a ler o artigo, vemos que não foi um, mas sim dois tribunais a fazer isso. Uma pessoa começa a desconfiar. Então o primeiro tribunal decide a favor dele, é imposto recurso e o Tribunal da Relação faz o mesmo? É estranho. É verdade que os tribunais muitas vezes cometem erros, mas logo dois tribunais diferentes? E assim num caso tão grave como o de uma violação?
É então que começa a descrição do que vem no acórdão. Uma testemunha diz que a mulher tinha "um vestido curto junto ao corpo". Mais uma vez, isto não é um motivo. Nem que a mulher tivesse totalmente nua isso serviria de atenuante para um acto vil destes. Qualquer mulher pode vestir o que bem quiser e tem o direito absoluto a não ser importunada.
Continuando a ler o artigo vem referido que o homem foi "sucessiva e reiteradamente provocado no intuito de praticar acto sexual com a mesma" e que quando foram ter relações sexuais ela deixou acontecer "sem reagir. E é neste ponto que eu deixo de ter certezas sobre o que se passou. Deixa de ser um caso tão preto e branco e começam a entrar as escalas de cinzento. Começa a ser difícil ter uma opinião formada sobre um caso tão grave apenas com base em trechos num artigo de jornal.
Agora, eu li o artigo, mas haverá certamente quem só tenha ficado pelo início e faça logo o seu veredicto. É que esta notícia tem todos os ingredientes para gerar indignação nas redes sociais. Pegar num título, imaginar a história toda e nunca se assumir que a decisão tomada por DOIS tribunais poderá ser a correcta ou ter um fundamento.
Retomando então ao título da notícia, este militar tem de ser expulso da GNR, parece-me óbvio. Pelos relatos está mais do que provado que o homem não tem condições para exercer o cargo face ao que fez. Daí a ser um violador... não sei. Não sei mesmo. Eu tenho dúvidas, mas a linha é tão ténue que é difícil saber. É difícil estar a condenar alguém com base em incertezas.
Como disse no início, eu sei que estou a arriscar aqui um bocado pegando num assunto como este, ainda mais sendo hoje o Dia Mundial da Justiça Social. É um caso de violação, logo, segundo as regras das redes sociais, o homem é automaticamente o culpado. Ninguém está disponível para dizer "não sei" ou dar o benefício da dúvida num caso sobre o qual não sabe nada e só se lê meia dúzia de coisas num jornal. Tudo é feito com base na imaginação sobre um acontecimento que pode ou não ter sido dessa forma e a comunicação social adora fomentar isso. Isto não é Justiça Social, é Justiça das Redes Sociais. É diferente.