Entre violador e violada ninguém mete a colherada
Ontem foi rejeitada a proposta para transformar a violação em crime público. A razão para isso foi que é imperativo defender a vontade da vítima.
Não deixa de ser confuso que, por exemplo, para sofrer agressões do marido, a vontade da vítima não serve para nada. Pode estar ali "alegremente" a apanhar porrada ao longo de vários anos e depois vem alguém de fora estragar aquilo. É que qualquer pessoa tomando conhecimento de uma dessas situações tem o dever de denunciar, a vítima depois logo decide se colabora na investigação ou não. No entanto, a vontade da vítima poderia muito bem ser a de continuar a apanhar para manter o casamento. Sabe-se lá.
Agora, uma mulher pode ser violada e ninguém tem de se meter nisso. Só ela. Passámos anos a tentar mandar o ditado "Entre marido e mulher ninguém mete a colher" abaixo, mas parece que agora temos um novo "Entre violador e violada ninguém mete a colherada". Acaba por ser esquisito.
Felizmente nunca tive contacto nem com uma nem com outra das situações, mas se tivesse conhecimento de alguém que a sofrer violência doméstica provavelmente teria de confirmar também se foi obrigada a fazer sexo ou não. É que já estou a imaginar chegar a uma esquadra e acontecer o seguinte:
Eu: Bom dia.
Agente: Bom dia.
Eu: Queria fazer uma denúncia de uma situação de violência doméstica de alguém que conheço.
Agente: Queria? Mas já não quer? Hehe... Desculpe, fui empregado de um café antes de ser agente.
Eu: ...
Agente: Então a vítima sofreu agressões?
Eu: Sim, tinha umas nódoas negras e tudo.
Agente: Muito bem. E sabe se a obrigaram a ter sexo contra a sua vontade?
Eu: Pois... Não sei... Acho que sim... Não tenho a certeza...
Agente: É que isso já é violação. Tem de ser a própria vítima a vir fazer queixa.
Eu: Bem, sendo assim vou tentar confirmar e depois logo volto aqui conforme a situação.
Agente: Faça isso, faça isso. Tenha um bom dia.
Eu: Bom dia.
Tentar perceber as leis em Portugal é mesmo muito confuso.