Arrancou mais uma edição do Rock In Rio da tecnologia, a Web Summit. Tal como para o primeiro a música não é o mais importante, também para o segundo a tecnologia é apenas acessório. O que realmente interessa é ver e ser visto.
Infelizmente, por muito que façam este ano ou nos seguintes, nenhuma edição da Web Summit alguma vez será tão boa como a de 2020. O ano passado viu-se que dava para fazer tudo online sem ser preciso aqueles milhões todos que o Estado português decidiu investir para que o evento ficasse em Lisboa por 10 anos.
O que é bastante curioso num evento como a Web Summit, quase uma exemplificação do capitalismo, é a sua forte semelhança com a Festa do Avante!, um símbolo do comunismo português. Ora vejamos:
Dizem ter como objectivo ajudar os mais fracos;
Baseiam-se fortemente em trabalho voluntário;
Recebem grande apoio das autarquias onde são realizadas;
Vários convidados falam coisas alheadas da realidade;
Fazem culto da ideologia;
Vendem merchandising desse mesmo culto da ideologia.
Nesse último ponto, para manter a tradição e simultaneamente adaptar-se aos novos tempos, espero que este ano o Paddy Cosgrave também tenha colocado à venda na Web Summit máscaras da marca de roupa da mulher a 700€ cada. Mas não eram umas máscaras quaisquer. Obviamente seria uma edição super-limitada constituída por 50 peças numeradas. Só assim faria sentido. Aposto que iriam esgotar num instante. Se não o fizeram, fica aqui a ideia, que é o mais importante nisto do empreendedorismo, pelo que dizem.
As discussões nas redes sociais com as pessoas a queixarem-se sobre a COVID-19 e a aglomeração em determinado evento são basicamente como esta imagem acima.
Ontem foi com a festa da Cristina Ferreira, hoje é com Fátima, a semana passada com a Festa do Avante! e durante esta semana deverá ser outro evento qualquer.
As pessoas queixam-se como se nesta altura do campeonato, com a quantidade de incumprimento e descuido que se tem visto, ainda existisse muita gente com superioridade moral para apontar o dedo aos outros.
Durante o confinamento diziam que as pessoas iriam tornar-se menos egoístas e dar mais atenção ao próximo. Totalmente errado. O que cada vez mais se prova é que as pessoas se tornaram mais centradas nelas próprias, e não se importam de não cumprir regras, desde que seja a fazer algo que lhes convenha. Em cafés, praias, centros comerciais, jardins, restaurantes, festas, todos nós já vimos situações destas. Se cada um de nós continua a não fazer a sua parte, como é que estamos à espera que o outro o faça?
- Desculpe, podia-me dizer onde é a festa do Partido Comunista? - Avante, à esquerda!
A realização da Festa do Avante! será alvo de forte crítica durante a próxima semana, em grande parte porque esperamos que os partidos deem o exemplo e que o Governo faça regras que sejam aplicadas a todos de igual forma. No entanto, já estamos mais do que habituados a que isso não aconteça. Porque seria diferente desta vez?
A não ser por motivos humorísticos para se brincar com a situação não há grandes razões para crítica. A realidade é que, passados todos estes meses de desconfinamento, não há muitos Portugueses que tenham superioridade moral para se queixar do PCP pela realização da festa.
Já tivemos centros comerciais com filas enormes, manifestações antirracismo, manifestações anti-manifestações antirracismo, festas diversas, Fátima, praias cheias, pessoas a falar com outras com a máscara a proteger o pescoço e muitos mais casos. Cada um à sua dimensão, as regras de proteção têm sido constantemente quebradas pelos Portugueses conforme dá jeito. Como é que agora se podem queixar da Festa do Avante?
Mais ainda, se a Festa do Avante! estiver cheia com os 16500 de que se fala será única e exclusivamente porque as pessoas decidiram lá ir, não foi o camarada Jerónimo que as obrigou.
Só tenho pena é que os eventuais grandes afetados possam vir a ser os idosos que estão nos lares e não colocam um pé fora dos mesmos há meses. Já que é para morrer, ao menos libertem os velhinhos para curtirem os últimos tempos de vida. Deem-lhes passes de 3 dias para curtirem Blasted Mechanism, Capicua e muito mais na Quinta da Atalaia. Isso é que era.
Após a realização da Festa do Avante!, se eventualmente for identificado um surto que tenha tido origem lá, só peço que o PCP e todos aqueles artistas que decidiram fazer parte venham a público pedir desculpas. Se o Olavo Bilac foi praticamente forçado a isso por ter ido cantar ao comício do CHEGA!, acho que é mais do que justo um tratamento semelhante se for comprovado um surto, não acham? Até nem estou a pedir muito.
Isto excepto os Xutos & Pontapés. No caso particular dos Xutos, que são um ódio de estimação meu, espero que morram (musicalmente falando) e deixem de dar concertos de uma vez por todas. Se nos outros anos conseguem uma omnipresença de estar em tudo o que é festival, logo no ano em que não há festivais vão ao único não-festival que é um festival. Já não há paciência para os aturar.
Não deixa de ter uma certa piada, pessoal que gozou com o facto do PCP ainda não ter desistido da Festa do Avante! achar normal os espectáculos do Deixem o Pimba em Paz no Campo Pequeno com 2000 pessoas cada dia.
Como eu já disse, um ajuntamento é mesmo uma questão mais filosófica e abstracta do que propriamente física. Ou seja, acaba por não depender da distância das pessoas entre si. Depende da relação entre as pessoas, depende do que as pessoas estão a fazer e, mais que tudo, depende se queríamos ir a outra coisa que não deixam, mas "Ah e tal, esta já deixam!".
É estranha a pouca preocupação que os comunistas têm com o novo coronavírus. Primeiro a serem contra a declaração do estado de emergência, depois com a celebração do 1 de Maio e agora com a realização da Festa do Avante! ainda meio entreaberta.
O PCP deveria ser o maior interessado em que o vírus não se espalhasse. Afinal de contas, ambos têm particular incidência sobre o mesmo público alvo e, se as coisas correm mal, o PCP ainda acaba por ficar sem eleitores.